Há anos o catolicismo brasileiro apresenta sinais de fissuras, indicando que alguma coisa não vai bem. Periodicamente, casos de abusos sexuais e escândalos financeiros são relatados pela imprensa.
Compra de imóveis em endereços caríssimos, aliciamento de menores, abusos e violações contras freiras. Eclesiásticos citados por políticos presos por corrupção, denúncias de mau uso das contribuições de fiéis… E isso tudo é apenas o que virou notícia, com maior ou menor repercussão.
Ouve-se aqui e ali supostos fatos ocorridos localmente, sem exposição na mídia. Mas é possível que muita coisa não passe de “disse-me-disse”, de tentativas de assassinar reputações – mais comum em meios eclesiais do que se pensa – ou de intrigas paroquiais. Evidentemente, todo mundo é inocente até que se prove o contrário. E cabe à justiça condenar ou não alguém.
Ao mesmo tempo, verifica-se grande investimento em templos suntuosos e na espetacularização da fé. Isso se traduz em vestes luxuosas, liturgias exuberantes, uma riqueza de paramentos e rituais muito distantes das origens do cristianismo. Ainda mais se considerarmos que tudo começou com um certo galileu de Nazaré, na periferia de Israel.
Enfim, muitos setores eclesiais parecem ceder aos apelos de mercado e investiram pesado no fausto, na visibilidade fácil das redes digitais, nas túnicas de caros panos. Simultaneamente, parte da mídia católica se esforça em estar próxima dos “Caifases” da política brasileira, dando a “César” o que deveria ser de Deus e do Povo.
Sorrateiramente, o fundamentalismo católico ganha maior presença pública, sobretudo em período eleitoral. Não é possível ignorar quem hoje se apresenta destilando ódio em nome da pureza da fé. Nem esquecer quem se aliou aos que, em passado não tão distante assim, chutaram uma imagem da Virgem Aparecida em cadeia nacional de televisão.
Por outro lado, os que se colocam no seguimento de Jesus são ameaçados, difamados e perseguidos. Não são poucos os nomes de agentes de pastoral, religiosas, padres e até mesmo bispos que em pleno século XXI, são acusados de infiéis, de hereges e comunistas.
Em paralelo, as CEBs ficam suscetíveis a esse caldeirão religioso. Mesmo localmente, a espiritualidade libertadora que as caracterizam é confrontada. Propostas como “um novo jeito de ser Igreja”, as comunidades de base certas vezes ficam escanteadas, como se fossem mais um grupo eclesial dentre tantos outros da fé católica.
Mas isso não ocorre inocentemente. O modelo de Igreja que ela representa foi e é combatido, caluniado e perseguido. Tal qual a Pastoral da Juventude, sobrevive profeticamente a inúmeras tentativas de cancelamento ao longo do tempo.
É a outra face da moeda, reveladora do projeto que aponta para um catolicismo triunfante, baseado em gigantescos templos de sinos caríssimos e em “cidades da fé”. Sustentado por uma religiosidade que anestesia a alma, mas endurece corações.
Isso produz certo ambiente religioso que flerta sem a menor cerimônia com o fundamentalismo. Este, incapaz de estar em sintonia com o Reino de Deus e a vida de Jesus, produz uma necrorreligião, um dos pilares da necropolítica de nossos tempos.
A situação atual é resultante – certamente imprevista – da estratégia eclesial de João Paulo II, quando apontou para uma “Nova Evangelização”. Todavia, essa expressão aparece originalmente na conferência de Medellín, com outro significado.
Os bispos latino-americanos não queriam repetir os erros cometidos durante o período colonial, que marcou com sangue o continente. Portanto, era um apelo para tivéssemos uma evangelização na perspectiva dos oprimidos.
O papa polonês deu novo sentido ao termo, e apoiou grupos e movimentos que abraçaram sua política de “volta à grande disciplina” para a Igreja. Aqui no Brasil, a convocação de Wojityla foi justificada como parte da estratégia pastoral que visava estancar a perda de fiéis que começava a sangrar o catolicismo brasileiro.
Em nome da “Nova Evangelização”, promoveu-se um modelo de igreja que intensificou o carreirismo, o clericalismo e o tradicionalismo, na crença que esses elementos restaurariam a onipresença católica de outrora. Não leram os sinais dos tempos e, trinta anos depois, a sangria de fieis não apenas continuou como se intensificou, e a Igreja no Brasil perde capilaridade social.
Hoje, ainda que tenha grande presença pública, o catolicismo está cada vez mais ausente nas periferias, morros e favelas das grandes cidades brasileiras. Diante do que se apresenta na conjuntura católica, cabe perguntar: vive-se hoje uma crise da “Nova Evangelização”?
*Jorge Alexandre Alves é Sociólogo, professor e mestre em Educação. Faz parte do Movimento Nacional Fé e Política.